A água é um dos únicos compostos moleculares a apresentar os três estados físicos em temperatura ambiente. Sólido, líquido e gasoso podem coexistir na natureza em diferentes regiões ou na cozinha da sua casa.
Enquanto você toma sua água líquida com cubos de gelo, pode estar esquentando uma certa quantidade no fogão para preparar o almoço, provocando vaporização.
Mas poderia haver duas fases em um mesmo estado?
Em pesquisa publicada na revista Nature Physics, pesquisadores da Universidade da Califórnia, San Diego, conseguiram pela primeira vez testar em simulações computacionais propriedades transicionais do estado da água que demonstram que este líquido pode assumir fases diferentes em um mesmo estado.
Quem diria que uma coisa tão insípida poderia se tornar tão saborosamente curiosa e ocultar mistérios, mesmo sendo transparente? Além da dica de charada para compartilhar no trabalho, venha entender como isso tudo aconteceu.
O íntimo da água
Em 1992, uma teoria sobre o comportamento da água criou a hipótese que em super-resfriamento o estado líquido da água poderia gerar mudanças na sua conformação, apresentando-se com propriedades distintas de densidade, além daquelas já conhecidas.
Se você se lembra um pouquinho das aulas de física, deve se lembrar que a água quente tende a ser menos densa, permanecendo mais próxima à superfície, enquanto a água gelada fica no fundo. Mas a doação de calor acaba igualando as temperaturas e provocando transições, tanto de congelamento quanto de liquefação, dependendo do estado inicial do sistema.
Algo bastante curioso é que em seu estado congelado ela é menos densa que sua versão líquida, além de sofrer um processo de expansão. Por esses motivos, o gelo boia nas bebidas com grande concentração de água e podem “explodir” recipientes colocados no congelador.
Fica o alerta: evite congelar alimentos ricos em água e água em recipientes de vidro. Existem algumas orientações específicas.
Outra excentricidade é que ela pode se manter em estado líquido mesmo em temperaturas abaixo de zero! O postulado demonstra que ao nível do mar, em estado puro, a água congela ao atingir 0ºC e ferve em 100ºC, nas geleiras e em grandes lagos congelados, ela pode ser encontrada em temperaturas de -38ºC em estado líquido abaixo das grossas camadas de gelo.
Todo esse comportamento excêntrico gerou a teoria dos anos 1990 que buscava compreender quais outras surpresas o líquido vital poderia guardar. Agora, depois de 33 anos, essa diferença de densidade que gera fases diferentes da água em estado líquido pode ser testada, mesmo que em modelo computacional.
A IA entra no jogo
A equipe de pesquisa preparou a simulação com base nas teorias de química quântica que analisa os pormenores da formação e comportamento das moléculas e suas ligações.
Pesquisadores desenvolveram a inteligência artificial (modelo MB-pol) com base em redes neurais, treinadas para esse trabalho e projetadas para analisar diferentes condições ambientais complexas.
As redes neurais analisaram criteriosamente diversos cenários de temperatura e pressão, identificando situações em que esse fenômeno dual poderia ser observado em condições específicas de estudo.
Ao contrário da IA que levou dois dias para resolver uma questão de 10 anos, a inteligência utilizada levou dois anos para responder uma questão de 33 anos. Mas não é uma corrida, cada uma com suas questões fundamentais para resolver.
Os dados demonstram que em super resfriamento, aproximadamente -75°C e em alta pressão, em torno de 1250 atm, a água sofre flutuações na densidade, em escala de microssegundos, alternando entre densa e menos densa, em um mesmo estado e compartilhando das mesmas condições de temperatura e pressão. A faixa de variabilidade de temperatura testada foi de -85°C até 95°C e pressão de 9,86 atm até 1299 atm.
Ainda que o fenômeno tenha sido testado em uma simulação computacional, os autores do estudo afirmam que o evento foi “quase tão real quanto um copo com água ao vivo”, segundo o site da Universidade da Califórnia, responsável pela pesquisa.
Integrados a esse sistema, eles poderiam ser coletados e descartados com mais facilidade, contribuindo para a preservação do meio ambiente e possibilitando até mesmo aplicações médicas.
Afinal, essa descoberta amplia as possibilidades de estudo e uso desse comportamento para desenvolver tecnologias, pois compreender o fenômeno pode permitir sua reprodução em outros materiais e por diferentes métodos.
Conclusão
Porém, os cientistas ainda precisam percorrer um longo caminho para testar esse evento bifásico em estado único na água e em outros líquidos.Após os testes reais, vem o período de experimentação para estímulo do fenômeno em condições “menos ideais” aumentando o leque de temperaturas e pressão atmosférica.
Por enquanto, temos um novo estado interessante de ser analisado, e contribui para melhor compreensão sobre os fenômenos intrínsecos da água, um líquido incolor, inodoro e insípido que parece tão único no universo quanto a existência humana.